sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Metade

Foi justamente em uma noite como esta, de calor forte e ar sem vento, que aquele homem, já pálido de tanto sofrimento, cansado e de mãos trêmulas, postou-se na frente do espelho no final do corredor da casa onde morava.

Nada mais lógico seria, do que ver a sua imagem refletida da forma que estava habituado em ver: um homem de estatura mediana, magro e com alguns cabelos grisalhos. Além de mais algumas outras pequenas variações que o tempo, e a ocasião, lhe brindavam.

No entanto, naquela noite, o espelho resolvera se comportar de uma forma inesperada, como nunca antes se comportara. A imagem que passava ao homem, era um tanto quanto assustadora: um homem pela metade.

Isso mesmo... Você pode até se perguntar como seria a imagem de um homem pela metade, afinal de contas, nenhum de nós está acostumado com esse tipo de visão. Porém, o fato do homem se ver dividido ao meio, tento de um lado metade de sua face, de outro apenas a escuridão, foi o suficiente para que, em menos de minuto, fosse procurar por sua outra parte, perdida em tempos verbais dos quais não sabia mais ao certo como conjugá-los.

Por fim, descobrira que não só as coisas são cortadas ao meio. De um lado fica aquilo que você conhece, ou seja, o que se pode tocar e ver. Do outro, apenas o vácuo, o vazio e o nada. Nesse espaço negro profundo, ficam guardados os sentimentos mais ocultos, dos quais nem sempre podemos confiar. Por isso, olhe-se no espelho essa noite, e veja o que ele tem para lhe mostrar. Vá atrás de sua outra metade, e tente conhecê-la ao certo, antes que alguém te veja ao meio.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Lembranças Natalinas...

Ainda guardo comigo, lembranças de Natais que se eternizaram em minha vida. Confesso que os últimos não foram tão adoráveis, ao ponto de ficarem registrados para sempre em minha memória. Mas esse que agora se vai, e já leva consigo doces lembranças, com certeza ficará.

O mais surpreendente desse Natal, foi que o essencial me bastou. A festa estava bonita, claro. A mesa farta e a sala repleta de presentes, foi o suficiente para estampar em todos nós um sorriso fraterno. As crianças, que já não acreditam mais em Papai Noel, desembrulhavam presentes como se estivem desenterrando um antigo tesouro. E nós, adultos, o que mais queríamos, era na verdade saborear o ponche que mamãe sempre fizera somente nas noites de Natal.

Ainda não sei ao certo, se futuramente darei festas para esconder a solidão que habita dentro de mim. Todavia, enquanto não me tornar anfitrião de nenhuma delas, virarei rosa, pássaro, ou um cavalo selvagem em um campo que se estende ao eterno, construindo assim o meu presente. Porém, sei que todos ao meu redor, saberiam desfrutar de uma boa festa sem a minha presença, inclusive eu mesmo. Mas saber, que às vezes não sabemos que para alguém somos alguém, é o suficiente para me confortar em certos momentos.

Tem horas que somente existir basta, e o coexistir passa a ser algo supérfluo. Gozado que a gente descobre isso sempre por acaso, talvez de propósito mesmo...

Lá fora as nuvens se desfazem nesse fim de tarde de Natal, dando forma a noite que se sucede. O Sabiá canta no telhado, celebrando algo além do meu entendimento. Já o cheiro das mangas caídas no quintal, formam um delicioso perfume, que todos os fins de tardes deveriam ter. Do mais, como é gostoso saber que a estrela que se equilibra na árvore de Natal, manda beijos secretos pra mim, dos quais, de alguma forma, tento retribuir.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

É José


Seu nome era José...

Mas poderia ser qualquer outro.

Aprendera desde cedo a falar, a comer, a andar, a falar, a cansar, a cansar...

Algumas sozinho. E de si se arrependera exclusivamente sozinho.

Às vezes com uma história não se quer falar nada, nem com o nada se quer nada.

É, me sinto como José tem horas!

Isso também pode não ser nada. E se é, é por questão de identificação mesmo, apesar de ter tanta gente lá fora.

Por fim, José crescera, assim porque lhe ensinaram a morrer.

É José... Nessa vida basta ser, sem se importar tanto em querer ser.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Buzinas, Semáforos, e Outras Angustias Mais

As placas já não guiam á lugar nenhum...

Os semáforos confusos, por instantes parecem conspirar contra a vida, creio que sofrida, daquele velho e indefeso senhor, que se perde ao som de buzinas e ronco de motores envenenados, engasgados por delírios adulterados.

Seus curtos passos, que não sabem ao certo qual direção tomarem, me afligem em um golpe brutal. O olhar, que ao mesmo tempo pareceu-me demonstrar toda uma carência, faz-me agora, ao chegar em casa, perceber que também careço de algo que não sei ao certo qual é.

Mas através de um espesso vidro embaçado, apenas observo e torço por um final feliz. Como se àquilo tudo fosse um filme inédito, onde se torce por alguém de bem.

Quanta idiotice a minha... Naquele momento, onde a estagnação tomou conta do meu ser, me vi impedido de descer e fazer aquilo que agora me deixa inquieto.

Será que as cores perdem o significado ao envelhecer?

O vermelho talvez pode não conter...

Já o amarelo, quem sabe, consiga alertar.

Mas é o verde que penso em ignorar.

Só sei que nesse instante, me perco em significados que não sei ao certo quais são.

domingo, 18 de novembro de 2007

Estalinhos

Como ela chegou até lá, na Lua, ninguém sabe explicar, talvez por ser inexplicável...

Muitos dizem que ela fora filha de São Jorge. Outros, mais religiosos, acreditaram que seria a besta do Apocalipse; esses se enganaram como sempre se enganam. Os mais místicos, atribuem sua existência aos astros, números e incensos. Mas na verdade, poucos atrevem a negá-la, ignorando a sua existência.

Apelidos surgiram, como sempre surgem: sininho, fadinha e diabinha são só alguns deles. Os nomes também vieram: Rebeca, Daniela e Marcela. Mas isso é o que pouco importa.

Era loira, bem baixinha, como criança mesmo. Seus cabelos encaracolados eram tão finos quanto algodão-doce. Sua pele, clara e delicada, dava a impressão de ser algo celestial, como a pele dos anjos. Seus olhos, sua boca e nariz, tudo se encaixava em perfeita harmonia. Como era possível teme-la? Somente o homem em seu mais elevado grau de estupidez, poderia chegar a esse ponto. E chegou.

Alegre e divertida, como quase toda criança em sua normalidade é, gostava de fazer as suas traquinagens. Mas como não tinha amigos para brincar de ciranda, pois morava na Lua, resolveu divertir-se conosco, terráqueos, que víamos maldade em sua brincadeira favorita.

Essa tal brincadeira, em certos momentos, foi considerada por governos poderosos como sendo um risco para a existência da humanidade, ao Planeta Terra; como se de fato eles, governantes, se importassem com isso. Missões foram planejadas. Expedições realizadas. E até mesmo uma Corte Suprema foi instaurada para julgá-la. Tolice do homem, que sempre viu risco naquilo que não consegue compreender através das Ciências Exatas.

Seu passa-tempo, e talvez único, se dava em uma brincadeira tão infantil, que todos nós, quando crianças, fizemos em algum momento: brincar com estalinhos, ou se preferir, traques... Aqueles mesmo, que se tornaram indispensáveis em qualquer festa Junina.

Só que os seus não eram carregados de um mistura pirotécnica de pólvora. Eram estalinhos, tão inofensivos a integridade física de uma pessoa, quanto aqueles que estourávamos quando criança. Porém, eram compostos individualmente de uma única mistura mágica: os amarelos eram os que dispensavam alegria quando estralavam; os azuis, esperança; os brancos a paz; rosas o amor; e mais uma infinidade de cores, que traziam em seu átomo sentimentos essenciais para uma humanidade.

Só que, mesmo eles sendo carregados por uma carga belíssima, despertaram nos homens do poder a raiva e a ira. E isso foi o suficiente para que fizessem o homem chegar até a Lua, em uma missão tripulada, composta por cosmonautas de várias nações. Seus objetivos de principio era trazer a inocente menina até a Terra, para ser julgada por crime contra a humanidade. Mas se ela esboça-se alguma resistência, a opção de matá-la ali mesmo, na Lua, poderia se concretizar.

Mas nada do planejado e esperado se deu nas vias de fato. Como era uma menina linda e pura, concebida por uma Divindade Suprema, achou melhor, diante de tal afronta, se jogar na imensidão do Universo, já que o tinha em seu céu da boca, do que ser capturada e aprisionada por homens maus, que não sentiram o efeito de seus estalinhos, devido à petrificação de seus corações.

No entanto, esses homens nunca conseguiram retornar para Terra, foram todos tragados pelo buraco negro do Universo. E não puderam descrever aos seus superiores, o quanto era belo o rosto daquela inofensiva menina, que agora deve estar brincando em outro satélite.

Auto-Flagelo

Em minha face plácida, habitam-se submerso aos olhares, lábios ansiosos e inquietos. Nariz grande e carente, que indaga, exprime e depois absorve para dentro do meu ser, tudo aquilo que procura, e encontra...

O olhar é vasto, que acha até onde não vê.

A calma, às vezes se rebela, deixando no ar fragmentos de mistério. O passo, largo, caminha sem saber pra onde. E eu vou atrás, sem me perder no compasso, refaço...

Não, desfaço!

Há resíduos de medo, de negro, e de rosa. De demora sutil. De abraço sutil... Há diários, cartas escondidas, rascunhos, em baús, no jardim, em notas de piano, em meu quarto...

Tudo esparso em cômodos, arredores, que velam por minha intimidade.

Os meus dias ensolarados ficam cada vez mais úmidos. O ar me falta nas subidas, e se torna rarefeito no raso, no lago, e no profundo. Às vezes insurjo de minhas próprias sombras, às vezes das suas. A maresia corrói-me os ossos, fazendo deles farelos, levados pela maré.

Em meio às mudanças, em meio aos sentidos e o sentido, entre os olhos e a visão, a orelha e a audição, sinto o sabor da sede. A vida parece querer brincar de pique-esconde, só que eu não sei contar até dez.

O girar da fechadura me causa angustia, o rangido da porta também!

Minhas estrelas, minha Lua particular, meus ossos e olhos... Parecem todos se curvarem em cima de páginas amarradas, cartas rasgadas, folhas amassadas, condenas pelo silêncio da noite, que me atrai e depois me devora.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Luares e Lugares


Embora ainda fosse dia, e o Sol desse as caras lá fora, seus raios não conseguiam penetrar com a mesma intensidade as frestas da janela do meu quarto...

O vento começara a soprar, suave, sem pressa, como sempre fora nas tardes pacíficas de Outono. Trazia consigo ares de poesia, vindos de outros vales, que ao se encontrarem com as fendas do telhado, produziam sons de assobios que atravessavam o forro de madeira velha, atingindo em cheio os meus ouvidos, carentes por uma melodia que desse ritmo a noite que se seguia.

O Bem-te-vi já dera seu canto de despedida, mais uma vez. A Lua, sempre misteriosa e atraente, já começara a brilhar com a chegada da escuridão, que dessa vez, prometia ser eterna. Pelo menos até o próximo amanhecer.

Tudo se perdia e se fundia naquele exato momento em mim... E o meu pensamento era somente em ti.

Desejos e sensações prazerosas misturavam-se junto ao meu corpo, fazendo-me sentir o calor exato da paixão, ardente naquele momento como nunca antes. Meus pecados pediam por perdão. Minhas vontades imploravam por ação. Mas a alma que ali se prendia, sabia que seria somente através da Lua a minha única saída.

O abrir da janela fez com que pequenas flores amarelas de Ipê, trazidas pelo vento, adentrassem no quarto se enroscando na cortina branca de seda, que do bandô atingia o chão de cimento queimado. Por instantes o silêncio se soltava, e a força da minha respiração podia ser ouvida pelas estrelas que invadiam minha morada.

A noite sugeria beijos entre bocas de salivas proibidas pelas circunstâncias do acaso...

Quem sabe em outros tempos, os dias se encurtem mais, fazendo as noites se tornarem tão longas quanto à vida. E que nós possamos, por intermédio da nossa Lua particular, se encontrar eternamente, tendo os astros como únicas testemunhas do nosso romance.

Mas isso já sugere uma nova história...

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Abóbora...

Ulisses sempre fora um sujeito quieto, mergulhado em um mundo individual e intransferível, que jorrava em gotas quentes pelas bordas da sua memória, atingindo em cheio as altas esferas de outras galáxias.

Cultivador daquilo que chamam de ostracismo social, foi qualificado por muitos de covarde, irresponsável e mal humorado. Afinal, rótulos era o que não lhe faltara, nunca. E deles, poucos atreveram defende-lo.

Embora todos desconhecessem seus segredos, não fazia questão de guardá-los de ninguém. Sabia muito bem que a descoberta de si próprio, caberia apenas àqueles que por ela se dispusessem a enfrentar.
Mesmo que para isso, fosse necessário encarar algumas verdades fulminantes, implacáveis e cruéis, apenas com as roupas de baixo.

Tanto era o seu delírio, que nas manhãs ao escovar os dentes, seu inconsciente parecia ordenhar o Universo em um simples e amargo copo de café. Seu dia acabava passando rápido, sedento pela noite que logo vinha em um fuso horário difícil de entender. O fim de tarde passava, e levava consigo o Sol de lantejoulas, já cansado de brilhar.

No entanto, era nas noites longas e frias, repletas de choros e lamentos, que ele se fazia presente no céu, já que se transformara por instantes em uma abóbora celeste, que intrigava a todos com sua forma abstrata de ser, desafiando os queriam parti-lo em pedaços, para depois saboreá-lo em caldas de açúcar junto de suas angustias.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Pardais e Outros Quais

Quando criança, eu costumava jogar na sombra da pitangueira migalhas de pão...

Mamãe sempre me designava essa missão, executada por mim com grande alegria. Pois além de ajudá-la recolher a mesa do café, acabei criando uma longa amizade com um pardal solitário, que nos finos galhos da pitangueira, tinha seu ninho.

Éramos conhecidos um do outro. Trocávamos confidências em dias de pouco Sol. Porém, era de meu conhecimento que aquele pardal, chamado por mim de Juca, um dia iria me deixar, cumprindo assim o seu ciclo da vida.

E foi em uma manhã chuvosa de Quarta-feira de Cinzas, que ele resolvera partir...

Por incrível que pareça, não fiquei magoado. Nem triste. Muito menos descorçoado.

Apenas não entendi por que o dito cujo ficou duro, que nem cimento!

Mas tudo bem... Logo após fazer uma curta oração em homenagem ao Juca, resolvi dar seqüência ao fúnebre ritual de despedida. Enterrei-o envolto numa sacola de supermercado, acreditando assim estar isolando seu corpo de possíveis predadores. O local a ser escolhido por mim, não poderia ser outro se não aquele onde a sombra da pitangueira se fazia presente. Meio palmo de terra bastou. Algumas pedrinhas. E uma cruz simbólica feita de um pequeno e fino galho seco.

Pronto... A missão já estava encerrada!

Tudo se passou rápido. Como tudo passa rápido demais em nossas vidas.

Ainda bem que é assim, como Juca: passageiro.

Já as lembranças não... Essas são eternas!

E fazem nosso mundo parar... Mesmo que por instantes.

domingo, 7 de outubro de 2007

Sonhos Alados


Naquela noite, não foi preciso muito tempo. Tão rápido quanto adormecer, foi sentir o prazer de estar sonhando. Tudo acontecera perfeitamente, sem causar dúvida e espanto. Sonhei estar vagando entre estrelas cadentes, que ao cruzar os meus olhos, despejavam sobre eles pequenas fagulhas de paixão, fazendo-me enxergar muito além do obvio estendido em minha frente.
Também mergulhei em meio a belas sereias, encarregadas de me levar até às profundezas do amor, para que de lá, pudesse retornar ainda mais convicto do poder da paixão. Tudo isso, afinal de contas, fazia-me ter a plena convicção de estar vivendo em um magnífico conto-de-fadas, sem hora marcada para acabar.
No entanto, me senti dominado por um sentimento besta de curiosidade, que me fez invadir o espaço dos pesadelos. Não foi nada agradável. Tive medo. Por instantes, achei que tudo estava perdido, partido em estilhaços. Deparei com monstros e mensageiros da dor, o que me fez ansiar ferozmente por reencontrar a doçura do sonho tão sonhado, saboreado minutos atrás.
Porém, isso acabou não acontecendo. Logo despertei assustado entre lágrimas amargas de angústia e medo. Sabia muito bem que naquele sonho, conheci os dois opostos daquilo que nos persegue durante a vida toda.
Mas mesmo acordado, continuei sonhando. Insisti impetuosamente em acreditar que o bem-querer que me acompanhava, seria capaz de me enlaçar a uma outra alma alada, cheia de desejos. Com tudo, esperei ansioso pela vinda do próximo sono, que sempre trouxe consigo uma nova remeça de sonhos adocicados de magia, eternos enquanto puderem durar.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Sonhar, Voar e Partir


Ainda havia vento. Havia tempo. Havia em mim um imenso e incontrolável anseio em voar, revoar e nas ondas do vento pairar, como uma pena. E foi justamente esse desejo ardente, que há tempos fazia-me sonhar acordado, o responsável por levar-me muito além dos secretos diários, mantidos por mim em uma única gaveta. Tudo se tornara mágico. Fabuloso. E passear em labirintos, descobrindo novas passagens, novos portais, era tudo que sempre sonhei.

Sabia claramente, desde o início, que não poderia ter medo. E não tive. Aliás, isso foi fundamental para não me perder no caminho. Pois, as mesmas nuvens que pareciam serem feitas de algodão-doce, se mostravam traiçoeiras e perigosas em determinados momentos da viagem, principalmente quando já não tinha certeza, se seguir seria a melhor das opções. Mas mesmo tendo que enfrentar algumas turbulências, minhas pequenas asas se mostraram perfeitas: não se dissolveram no ar. Uma vez que, para conseguir tal feito, era sempre necessária uma dose excessiva de amor e paixão. Combustível essencial, para que junto de outros amores alados, pudesse dar o brilho necessário aos arco-íris estampados no céu.

E foi assim, dessa maneira, que voei durante o resto da minha vida. Voei para bem longe, muito além do nosso mundo. Coisas aconteceram por lá, mas não sei explica-las ao certo. Apenas digo que senti todos os movimentos e sentimentos de um vôo. Tive vertigens durante vórtices. Conheci vários ritmos e ciclos, de uma dolorida e colorida vida. Porém, ainda recordo das luas e dos sóis se entrelaçando no universo, como em um tango. Dançavam e se confundiam em um balé eterno, belo e fugaz, assistido de perto por estrelas solitárias, constelações, cristais e outros astros... E quanto a mim, apenas voei em uma viagem sem volta, rumo ao desconhecido.

domingo, 26 de agosto de 2007

Redemoinhos...

Desejos derramados no ar desvendam passagens secretas. Perfuram vagarosamente paixões esvoaçadas, que dançam a deriva do vento. Suas faces beijam o chão, sedento de lágrimas, coberto por folhas e flores em um secreto ritual, onde segredos escapam nas curvas de gigantes redemoinhos. E nós, na brisa que nos congela, vamos driblando intermináveis contra-tempos que nos separam.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Cão Sem Dono

Na noite fria que se entrelaça no fio de nossas almas, um cão solitário uiva do absurdo, perdido no escuro. Em sua língua áspera, todo um desejo de engolir a Lua refletida na poça d’água, em apenas uma lambida, de alguma forma lhe mata a sede. No vazio de sua mente, lembranças cortantes espalham a amarga poeira que encobre seus olhos. Um mundo formado por verdades e mentiras, cinema e magia, descortina em sua frente. Do farelo das galáxias, temos estrelas. E nesse ponto, a alma da gente parece engravidar.Mas a madrugada curta logo se vai, levando consigo toda enxurrada de lamentos. Os primeiros raios de Sol avisam que já é hora de se esconder do mundo. E debaixo de uma marquise abandonada, existe um caixote de madeira nobre. Nele, ele se adentra e se tranca, até a próxima noite.Talvez eu seja esse cão!

Ah, Balões...

Muito além aquém do explicável, do lógico inatingível razoável, existe um imenso céu, onde balões meteorológicos cheios de magia e beleza, em dias de muito frio, harmonicamente ultrapassam as barreiras ilusórias do fim do mundo, indo voar por toda uma eternidade de desejos libertinos, paridos por nós no íntimo da aura.O gozado é que, justamente nesses mesmos dias de muito frio, o misterioso céu expõem a nós, de forma clara e estupenda, tudo aquilo que cultivamos, silenciosamente sem saber, nas estações passadas: amores e paixões incompreensíveis, perante um vasto cesto carregado de razões. E que, de alguma forma, fora ofuscado pelos dias quentes, onde nossas lágrimas serviram de cobertura para inúmeras maças do amor, no circo da vida.E é nessa imensidão, rasgada por abismos estrelares, esculpida por fendas entre a realidade e a invenção, que irei continuar na eterna busca. Pois um dia, embarcarei em um balão que me levará até você, para que juntos possamos transpor todas as barreiras.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Jardim Sentimental

Ao despertar, Alice já notara que aquela seria uma manhã diferente, incomum, no melhor sentido da palavra. E esse saber, fez com que não fosse preciso muito tempo, para que um sentimento jovial a impulsiona-se da cama, de maneira nunca vista antes. Afinal, havia um mundo sorrindo lá fora. E Alice, mais do que ninguém, sabia disso.
Sua camisola, de cor clara e suave, confundia-se com o tom doce e afável de sua pele. Seu rosto, desenhado por finos traços, formava um olhar penetrante, ainda mais penetrante devido às finas sobrancelhas que a embelezavam. Nada, absolutamente nada poderia afetar seu encanto, naquela linda e serena manhã de primavera, enaltecida pelos pássaros a cantar em seu jardim de flores festivas. E foi justamente para lá, para o jardim que Alice se pôs a caminhar. Dava ares de estar consciente, que nele estaria todo um mistério a ser revelado. Algo mágico, nunca antes imaginado por alguém, que a ti foi revelado pela mãe natureza.
Parecia uma miragem. Uma cena de um filme romântico sem a presença de uma segunda pessoa. Um filme onde somente ela nele existia, além de todas as outras maravilhas naturais, que juntas compunha o alegre cenário. À primeira vista que obteve, ao abrir vagarosamente a janela do quarto, lhe deu a leve impressão de ainda estar sonhando, mas que logo foi descartada pelo vento matinal que soprava em seu rosto. Podia senti-lo, assim como podia sentir o cheiro suave desprendidos pelas camélias das mais variadas cores em seu jardim. Mas não foi uma camélia, nem uma margarida que acabou lhe revelando o mistério guardado, e sim uma linda e formosa rosa vermelha.
Parece até estranho falar, sei que muitos irão duvidar, afinal, nem a ela foi fácil acreditar. Mas, essa rosa citada por mim, parecia ser gente. Tão parecida era, que chegou a se comunicar, talvez telepaticamente com Alice. E nesse contado, entre duas beldades de distintas espécies, um desabafo foi feito pela rosa, que disse em lágrimas a jovem Alice, tudo aquilo que tinha guardado em seus espinhos. Revelou, em um instante mágico, todo o seu descontentamento com os humanos. Pois, segundo ela, ninguém da nossa espécie sabe admirar por completo a beleza de um jardim em flores, onde suas personagens logo se murcharão e darão espaço a outras personagens, ou tragicamente, a um concreto.
Mas esse breve contato, nunca antes imaginado, não parou por ai. Uma missão foi dada pela rosa a jovem Alice. Missão essa que coube somente a ela cumprir, e mais ninguém. Os detalhes dessa missão eu não posso revelar. Visto que, caberá a cada um de nós, um dia cruzar com Alice, em um jardim em flores, ou de frente a uma sepultura velada por crisântemos.
No entanto, foi a partir dessa estupenda manhã que Alice percebeu que as flores nos vêem, tanto quanto nós a elas. Não foi preciso muito tempo. Logo após o recado, Alice partiu de camisola mesmo em direção a única floricultura da cidade, para então abrir os olhos do floricultor. Quem sabe, ela já esteja chegando aí, em seu jardim para lhe avisar. Agora, caso você não tenha jardim em sua casa, é melhor construir um, e passar a cultivá-lo, olhando as flores com o carinho que elas merecem.

domingo, 12 de agosto de 2007

Borboleteando

Em meio às minhas dúvidas, habitam segredos e sussurros, gemidos e gritos abafados, que vez por outra são ouvidos à distância, por ti somente...

No meu copo, apenas há mentiras verdadeiras. E a mentira que sou tudo que adora, talvez seja uma delas. Mas isso não é o suficiente, para impedir de brindarmos o acaso, em apenas um gole de ponche.

Sabe... Já me disseram que todo o mistério da vida cabe em poucas palavras, quem sabe em duas linhas. E são justamente as poucas palavras, ditas por nós, que me fazem sentir eterno e feliz. Como uma borboleta, que borboleteando entre flores de algodão, atrás de um bom-bocado de pólen, não vê espinhos, apenas flores.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Doce Amarga Hipnose

Junto de minhas lágrimas, habita um pêndulo de cristal frágil. Ele balança, e não se cansa. Horas se vai até a direção do tédio. Em outras, ruma sentido à ebulição de todo o meu querer. Equilibra-se drasticamente na corda-bamba que me liga ao mundo lá fora. Mostra-se amigo fiel do tempo que me devora com voracidade, contra o qual nada posso fazer. Seu vai-e-vem me hipnotiza vagarosamente. E dessa hipnose alucinante, espero nunca voltar.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Eterna Fragrância

Após um longo e cansativo dia de serviço, chego em casa. Estou exausto, evidentemente. Porém, não o suficiente para esquecê-la...

Sua foto, no porta-retrato, me faz lembrar momentos irreversíveis. Instantes mágicos, eternizados em minha mente, por incrível que pareça: minimalista.

Sem vontade alguma de seguir em frente, concluindo assim, meus afazeres cotidianos, dou um basta naquilo que me sufoca. Ligo o som. Paranoid Android será, por ocasião do destino, a trilha sonora da noite...

Deito no chão, parecendo estar seguindo um ritual pré-estabelecido. Sobre a minha sombra, sinto o seu cheiro. Sonho acordado, durante o resto da madrugada.

domingo, 5 de agosto de 2007

Bendito Sonho

Só então, ao acordar, dei-me conta que naquela noite algo surpreendente aconteceu. Algo que, sem dúvida alguma, foi o suficiente para mudar a minha vida...

Já se passavam das duas da madrugada. O silêncio definitivamente se tornava dono da noite. O velho edredom vinha até o momento correspondendo às expectativas, podendo ser considerado meu melhor amigo, pois os dias de muito frio, custavam em ir embora. E de súbito, achei-me só, em meio ao meu sonho.

Nele, encontrei-me com o meu “Eu”. Foi uma sensação única. Creio que vivida por pouquíssimas pessoas. Era uma mistura homogênea de medo e coragem, que, de certa forma, impulsionava-me ao grande encontro. Nesse instante, nem mesmo a explosão de uma ogiva nuclear seria capaz de me acordar. E assim, continuei a caminhar, em sonho...

Quando já não existia mais distância a ser percorrida, pude sentir o calor e o cheiro vindo daquele ser conhecido, que agora se fazia presente bem na minha frente. Ficamos estáticas e em silêncio durante alguns poucos minutos. Até que o meu “Eu”, pôs-se a falar profeticamente...

Confesso que fiquei arrepiada. Não conseguia unir forças para questioná-lo. Pelo menos ali, naquele instante, eu fui uma espécie rara de coadjuvante de mim mesma. Apenas escutava em silêncio, e nada mais fazia se não concordar.

O que foi dito nesse sonho, não posso contar. Pois nem ao acordar me lembrava mais. Tudo foi anexado perfeitamente em meu subconsciente, em silêncio. Apenas posso garantir, que após aquela noite, nunca mais quis ser uma vencedora. Resolvi então tocar o barco devagar, para não me faltar amor.

sábado, 28 de julho de 2007

Ela Vem!


Por mais que tentamos evitá-la, ela sempre vem...

Vem cambaleando na própria palavra, enigmática, compreensível somente a si. Tem o costume de aproximar-se de nós passo a passo, lentamente, igual quando caminhamos em fila única na direção do altar, na hora da comunhão. Seja em noites frias ou quentes, ela sempre se mostra presente. Em sua face, um ar incógnito vagueia. Às vezes se pinta de beata, em outras se traja de ladra, embora a nudez seja a melhor de suas vestes. Pode ser que esteja embriagada, dopada por um sentimento qualquer. Ou então, absolutamente sã, desfrutando de esplêndida lucidez. Fechar os olhos não adianta, visto que a enxergamos dentro de nós. Tentar enganá-la é algo impossível, uma vez que recusa toda e qualquer espécie de subornação de origem psicológica. Seu humor, constantemente mutável, muitas das vezes nos ilude. E quanto a isso, nada podemos fazer. Já que diante do seu tribunal, passamos da condição de homens anistiados para, criminosos condenados à guilhotina, sem ajuda de anestésicos, em frações de segundos.

Muitos tombaram diante do seu olhar, que nem mesmo Medusa ousara desafiar. Assim como, inúmeras pessoas já choraram rios de lágrimas amargas, ao mesmo tempo em que tantas outras foguetearam alegremente. Dona do vento. Senhora da noite. Usurpadora de sonhos prazerosos e pesadelos nefastos. Que nos convida a um gole de vinho tinto, enquanto guarda consigo um pequeno frasco de veneno letal, prestes a ser derramado em nossos lábios trêmulos.

Por isso hoje, quando forem se deitar, convençam as paredes dos quartos a serem testemunhas dos seus julgamentos. E se for preciso, peçam por socorro ao par de botas batidas escondidos debaixo das suas camas. Com certeza não lhes negarão ajuda.

Mas só não esqueçam, que logo ao amanhecer, se ainda estiverem vivos, deverão me agradecer por ter-lhes alertados. Pois, eu bem que avisei!

terça-feira, 24 de julho de 2007

Abjuração


Aqui fico imóvel, estático. Sujeito-me a tornar-se uma espécie viva de abajur resplandecente. Qual timidamente expande um acanhado feixe de luz, que invade impiedosamente os cantos mais sombrios da minha lúgubre alcova, onde permaneço enclausurado por mim mesmo.

Sozinho eu me viro. Peregrino solitariamente na vastidão árida do deserto formado em minha mente estranha. Divido o pouco espaço restante com as canetas que nada escrevem. Com as borrachas que teimam em apagar. Com as cobertas que me negam calor. E com os famintos pernilongos que me sugam até os ossos.

Porém permaneço imóvel. Feito um abajur a espera do próximo black-out.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Desfragmentação


Ah, como é fabuloso saber que em mãos tenho minha própria existência, ou desistência, se assim preferir. Saber que um simples gesto mortal basta, para dar fim ao tragicômico filme da vida, não editado, onde nunca somos protagonistas. Quero aniquilar-me nesse instante. Quero jogar-me da sacada do meu apartamento, só para ver meu corpo se espatifar na calçada suja de lamentos, por onde transitastes todos os dias em busca de socorro.
Dentro de alguns instantes já não existirei mais. Poderá em fim ficar só, sufocada em seu minúsculo aquário de plantas artificiais que lhe roubam o oxigênio. De certo não sentirá minha falta. Ninguém sentirá. E isso não me preocupa se não alivia. Não deixarei sinal. Nem rastros de minha passagem pelo mundo. Desfragmentarei no ar como um incenso, prestes a ser inalado por alguém sem bom senso.
Que essa minha morte seja novidade, para os olhos daqueles que não enxergam a própria vida, e o poder que não exercem sobre ela. Que seja então consumado um fato único. Uma incógnita. Um desaparecimento total. Até mesmo na mente daqueles que me odeiam.

Deixa-me agora desaparecer!

domingo, 22 de julho de 2007

No Quicar das Pedras

São em fins de tarde como esse, de um Domingo chuvoso e monótono, que me ocorre vastas lembranças do tempo de criança. Como das vezes, em que sozinho rumava na direção do oculto lago paradisíaco no sítio de meus avôs, para que ali, sozinho e em silêncio, pudesse arremessar pequenas pedras no imenso espelho de água que se deitava em minha frente. Lembranças essas mágicas e poderosas, capazes de me transportar num simples fechar de olhos para um estado de espírito sublime e grandioso, onde os azedumes das pessoas são contidos pela minha aura pura de criança, tornando-me assim, inabalável, mesmo que por pouquíssimos instantes.

Entre Sacadas e Guias


Há tempos via-me acordado durante a madrugada. Nas noites longas de inverno, enquanto esperava pelo sono, elaborava planos mirabolantes em minha mente arquitetônica, embora soubesse que nunca os colocariam em prática. Às vezes acendia um cigarro, e da sacada do meu apartamento, observava suas cinzas caírem e se perderem no ar, revelando assim minhas angustias.
Foi através, dessas idas e vindas noturnas até ao lado de fora, que pude perceber a fotossíntese que tomava conta de todos naquele instante, que de alguma forma me envolviam. Morcegos com suas manobras radicais pareciam dispostos a ajudar, pena que não conseguia entendê-los. Cantadas de pneus dos carros que arrancavam no semáforo, pareciam gritos de desesperos, daqueles que em noites frias, costumam buscar por calor em camas alheias. O gemido diário e habitual de um casal, que todas as noites transavam na sacada do andar acima, fazia-me ter a certeza que entre gritos e choros de desespero, ainda existiam gozos no bairro.
Em noites mais amenas, resolvia descer daquele pedestal colossal de ferro e concreto, que há mais de 40 anos, sustentava famílias e vagantes solitários. Ia até a rua e sentava na guia, passando a observar sozinho tudo àquilo que me envolvia. Folhas secas que caiam no asfalto. Galhos que ficavam vazios a espera da próxima estação. Cânticos proferidos por bêbados, tentando fugir da realidade que os assombravam. Reparava em tudo, analisando os mínimos detalhes. Até que o sono vinha e me fazia retornar ao conforto da minha cama cheia de ilusões.Ficava ali, cada vez mais encolhido, na espera inconsciente de um novo dia. E que ele, da mesma forma que viesse me abordar, pudesse devolver-me mais uma noite de sono. Aonde eu viria fechar os olhos e novamente dormir. Mas a certeza que amanhã não seria um novo dia, era o suficiente para minar as minhas esperanças e compreender que esse não era o meu lugar.