terça-feira, 23 de outubro de 2007

Abóbora...

Ulisses sempre fora um sujeito quieto, mergulhado em um mundo individual e intransferível, que jorrava em gotas quentes pelas bordas da sua memória, atingindo em cheio as altas esferas de outras galáxias.

Cultivador daquilo que chamam de ostracismo social, foi qualificado por muitos de covarde, irresponsável e mal humorado. Afinal, rótulos era o que não lhe faltara, nunca. E deles, poucos atreveram defende-lo.

Embora todos desconhecessem seus segredos, não fazia questão de guardá-los de ninguém. Sabia muito bem que a descoberta de si próprio, caberia apenas àqueles que por ela se dispusessem a enfrentar.
Mesmo que para isso, fosse necessário encarar algumas verdades fulminantes, implacáveis e cruéis, apenas com as roupas de baixo.

Tanto era o seu delírio, que nas manhãs ao escovar os dentes, seu inconsciente parecia ordenhar o Universo em um simples e amargo copo de café. Seu dia acabava passando rápido, sedento pela noite que logo vinha em um fuso horário difícil de entender. O fim de tarde passava, e levava consigo o Sol de lantejoulas, já cansado de brilhar.

No entanto, era nas noites longas e frias, repletas de choros e lamentos, que ele se fazia presente no céu, já que se transformara por instantes em uma abóbora celeste, que intrigava a todos com sua forma abstrata de ser, desafiando os queriam parti-lo em pedaços, para depois saboreá-lo em caldas de açúcar junto de suas angustias.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Pardais e Outros Quais

Quando criança, eu costumava jogar na sombra da pitangueira migalhas de pão...

Mamãe sempre me designava essa missão, executada por mim com grande alegria. Pois além de ajudá-la recolher a mesa do café, acabei criando uma longa amizade com um pardal solitário, que nos finos galhos da pitangueira, tinha seu ninho.

Éramos conhecidos um do outro. Trocávamos confidências em dias de pouco Sol. Porém, era de meu conhecimento que aquele pardal, chamado por mim de Juca, um dia iria me deixar, cumprindo assim o seu ciclo da vida.

E foi em uma manhã chuvosa de Quarta-feira de Cinzas, que ele resolvera partir...

Por incrível que pareça, não fiquei magoado. Nem triste. Muito menos descorçoado.

Apenas não entendi por que o dito cujo ficou duro, que nem cimento!

Mas tudo bem... Logo após fazer uma curta oração em homenagem ao Juca, resolvi dar seqüência ao fúnebre ritual de despedida. Enterrei-o envolto numa sacola de supermercado, acreditando assim estar isolando seu corpo de possíveis predadores. O local a ser escolhido por mim, não poderia ser outro se não aquele onde a sombra da pitangueira se fazia presente. Meio palmo de terra bastou. Algumas pedrinhas. E uma cruz simbólica feita de um pequeno e fino galho seco.

Pronto... A missão já estava encerrada!

Tudo se passou rápido. Como tudo passa rápido demais em nossas vidas.

Ainda bem que é assim, como Juca: passageiro.

Já as lembranças não... Essas são eternas!

E fazem nosso mundo parar... Mesmo que por instantes.

domingo, 7 de outubro de 2007

Sonhos Alados


Naquela noite, não foi preciso muito tempo. Tão rápido quanto adormecer, foi sentir o prazer de estar sonhando. Tudo acontecera perfeitamente, sem causar dúvida e espanto. Sonhei estar vagando entre estrelas cadentes, que ao cruzar os meus olhos, despejavam sobre eles pequenas fagulhas de paixão, fazendo-me enxergar muito além do obvio estendido em minha frente.
Também mergulhei em meio a belas sereias, encarregadas de me levar até às profundezas do amor, para que de lá, pudesse retornar ainda mais convicto do poder da paixão. Tudo isso, afinal de contas, fazia-me ter a plena convicção de estar vivendo em um magnífico conto-de-fadas, sem hora marcada para acabar.
No entanto, me senti dominado por um sentimento besta de curiosidade, que me fez invadir o espaço dos pesadelos. Não foi nada agradável. Tive medo. Por instantes, achei que tudo estava perdido, partido em estilhaços. Deparei com monstros e mensageiros da dor, o que me fez ansiar ferozmente por reencontrar a doçura do sonho tão sonhado, saboreado minutos atrás.
Porém, isso acabou não acontecendo. Logo despertei assustado entre lágrimas amargas de angústia e medo. Sabia muito bem que naquele sonho, conheci os dois opostos daquilo que nos persegue durante a vida toda.
Mas mesmo acordado, continuei sonhando. Insisti impetuosamente em acreditar que o bem-querer que me acompanhava, seria capaz de me enlaçar a uma outra alma alada, cheia de desejos. Com tudo, esperei ansioso pela vinda do próximo sono, que sempre trouxe consigo uma nova remeça de sonhos adocicados de magia, eternos enquanto puderem durar.