domingo, 7 de setembro de 2008

Arremesso de Facas

Ela:

Vai, me acerta!

Mire direito esta faca e faça o espetáculo ficar mais divertido.

Cansei de ficar presa por cordas nesta roda, enquanto você se diverte com o seu jogo e leva todo o dinheiro da bilheteria.

Não vê que esse seu número já me esgotou?

Pára!

Feche os seus olhos e acerte o meu coração.

Concentre-se.

Vai.

Mate-me.

Agora!

Ele:

Posar de vítima sempre foi o seu papel preferido!

Saiba que ninguém te amarrou à força nessa roda. Muito menos te obrigou a vestir essa roupa cheia de lantejoulas.

Está aí porque quis!

Acha que é fácil assim?

Nem sempre se sai de um jogo quando quer!

O espetáculo também é seu.

Carrasco é sempre o outro pra você.

A arquibancada há tempos está vazia.

Cansei também!

Respiro.

Miro.

Talvez agora eu erre para acertar.

sábado, 1 de março de 2008

Toques

Tuas mãos acuadas pareceram me tocar, naquela noite que parecia perdida, de tão poucas esperanças...

De fato me tocaram, e justo no lugar mais sensível.

Senti através dos seus dedos, um pequeno calafrio, seguido de uma erupção interna que tomava conta do seu corpo. Nesse instante, me vi imerso em um mar de lava vulcânica de origem sentimental, guardada por você na mais interna das profundezas, que agora vem à tona.

Tudo poderia ser facilmente abafado pelo mundo de mãos árduas e repressoras. Mas dessa vez não foi. E não por acaso.

Nessa noite, até o beijo se transformou em líquido para percorrer os cantos mais oblíquos da boca, já seco de tanta sede, mas ainda em carne viva e pulsante.

O desejo se dissolveu em fumaça, como incenso, e ainda permanece no ar, somente para ser inalado por nós enquanto ainda respirarmos, um ao outro, dia e noite.

Mas foi através do toque das suas mãos, que percebi um pedido de socorro.

Talvez você também tenha escutado, e quanto a isso não tenho dúvidas porque eu também pedia por socorro naquela noite de fusos horários.

Até então as palavras eram poucas, e gritavam em um silêncio que às vezes se sufocavam dentro de um universo incabível, e que agora, acomoda todos os nossos sonhos então reprimidos em uma caixa de fósforo sem palito. Sem fogo.

Agora o momento é de beleza e delicadeza.

Tuas mãos se entrelaçam com as minhas em um pacto de dedos, calos e unhas. Os corações sentem. E de falta de sentidos, não morreremos mais.

Enquanto essa união se fizer necessária, nunca mais iremos precisar de sinais para nos comunicar. Afinal, já estamos ligados afetuosamente por um cabo rígido e maleável ao mesmo tempo, que encurta a distância de nós dois a cada dia, conduzindo nêutrons e elétrons sem a necessidade do choque.

Ahhh... Se não fossem suas mãos, nada então seria.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Gatos... Gatos?

Gatos.

Deitado na cama, ouço o barulho de gatos!

Infelizes gatos, que resolveram me atormentar justo nessa noite, na qual recorro a soníferos vencidos.

O rádio-relógio já marca três e quinze da madrugada. A programação do canal que assisti até então na televisão, agora exibe apenas uma tela colorida por riscos, sintonizada em uma rádio que toca o mesmo Blues sem parar. A cama parece não me aceitar nessa noite, como se eu fosse um estranho. Talvez eu até seja, mas não em minha casa.

Rolo de um lado para o outro. Cubro a cabeça com o travesseiro. Coço as costas. Mas o sono parece estar desperto como nunca, e nessa noite abafada, em que tudo pode acontecer, percebo gatos andando pelo telhado. O que mais pode me acontecer?

Seus miados e gemidos penetram por todos os cantos, desde as frestas da janela, até pelos buracos dos cupins no velho forro de madeira. Atingem meus ouvidos em cheio, me fazendo ficar mais impaciente ainda.

Eles choram também. E choram como se fossem crianças. Penso comigo, e descubro que realmente não sirvo para ser pai. Seus passos pelo telhado, ao mesmo tempo em que são suaves, conseguem fazer um barulho infernal, que chega a me assustar em certos instantes.

Deitado na cama, eu fico imaginando a qual raça esses gatos fazem parte. Seriam eles Siameses, Angorás, Persas, ou então uns coitados de uns Vira-latas sem lar, à procura de algum romance que dure somente por uma noite, e nada mais? Talvez sejam humanos também, nesse ponto...

Algo me sugere, para chamá-los!

Tomado por um impulso inexplicável de um anti-felino, que se entrega diante a magia dos gatos, abro a janela e escalo o telhado pela calha velha e enferrujada. Meu único objetivo naquele instante era tocá-los, tentar uma aproximação amigável, para então tê-los como amigos em todas as noites de insônia que viessem me atentar.

Mas espantado, não os encontro quando definitivamente já estou sobre as telhas francesas da minha casa.

Teriam eles se assustado com a minha presença?

Fugidos para outros telhados?

Ou tudo isso não passa de um sonho?

Uma alucinação?

Não sei bem...

Só sei que volto para dentro do meu quarto, e ainda ouço o barulho de gatos.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Primavera, Verão, Outono, Inverno... E Primavera

Suas raízes são fortes como o aço da faca que lhe sangra o pulso.

Não adianta podá-la, cortá-la ou então envenená-la.

Você é imune diante todas essas artimanhas!

Seus galhos servem de balanço para crianças brincarem, pessoas se enforcarem, e passarinhos alegres cantarem em uma manhã de Sol, em uma tarde de arco-íris vivo, que brilha, no céu que se estende para o eterno de nós dois.

O perfume das flores que brotam em seu corpo, é usado por anjos e demônios em um ritual pagão de amor e paixão entre o Bem e o Mal, do qual fizemos um pacto de sangue selado pelas quatro estações do ano, que agora vigoram como nunca.

A sombra oferecida por você é capaz de condensar todo calor do meu corpo, transformando meu suor em gelo, para depois derreter em seus pés, e lhe matar a sede, que antes já fora sinônimo de angustia e depressão nas tardes de Domingo.

Cupins jamais atreveram comer seu caule, tomar sua seiva, que agora molha minha garganta e me embriaga de sentimentos enlouquentes, curtidos no alburno da sua carne faminta que me serve de alimento.

No Outono, as folhas secas que caem do seu corpo cobrem o chão por onde vidas e mortes caminham lado a lado, em busca de algum sentido que lhes faça viver ou morrer quando a Primavera chegar e passar, como se fossem andarilhos em busca do lar.

Mas quando chega essa época de flores e folhas novas, você também mostra novamente a beleza do seu rosto que agora está nu, mas que se mantêm aquecido graças os raios solares que atravessam a camada de ozônio e lhe atingem o coração, que pulsa dentro do seu cerne de mulher, forte e delicada.

Porém, o que mais vale disso tudo, são as sementes que você entrega aos pássaros semeadores de sentimentos alados, que agora fazem surgir dentro de mim uma constante fotossíntese de paixão, que floresce a cada suspiro seu e meu.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Sua Casa Minha

Minha casa sempre fora abrigo da minha alma, dos meus sentimentos calados, engomados e passados. Casa essa coberta por palavras, que me protegem de temporais, vendavais e outras coisas mais. Suas janelas são todas emocionais, ocasionais, abrem e se fecham de acordo com os raios, solares e lunares. As portas de batentes enlouquentes vibram com as vibrações mais quentes, ardentes, vigentes em mim.

Nessa casa há escadas também. Um degrau acima, um degrau abaixo, de certa forma, todos estão ligados em sonhos alados, armados e ensaiados para depois serem sonhados. Suas paredes foram erguidas com tijolos vogais, rebocadas com massa de outros quintais, consonantais, resistentes diante das rachaduras, ranhuras e outras feiúras. Nela, as cadeiras são de junco, confortáveis e atraentes, transadas manualmente, por pessoas que se fazem presentes.

Linda língua dos lábios que habitam essa casa, de pensamentos inertes ao pó, transformando em desejo os sabores que sei tão bem de cor. Chão de giz que não risca, nem trinca. Vaso que não se quebra, nem esfarela. Luz que se acende. Luz que se apaga. E tudo isso quando chega à noite me indaga, se a casa onde eu moro é na verdade você.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Metade

Foi justamente em uma noite como esta, de calor forte e ar sem vento, que aquele homem, já pálido de tanto sofrimento, cansado e de mãos trêmulas, postou-se na frente do espelho no final do corredor da casa onde morava.

Nada mais lógico seria, do que ver a sua imagem refletida da forma que estava habituado em ver: um homem de estatura mediana, magro e com alguns cabelos grisalhos. Além de mais algumas outras pequenas variações que o tempo, e a ocasião, lhe brindavam.

No entanto, naquela noite, o espelho resolvera se comportar de uma forma inesperada, como nunca antes se comportara. A imagem que passava ao homem, era um tanto quanto assustadora: um homem pela metade.

Isso mesmo... Você pode até se perguntar como seria a imagem de um homem pela metade, afinal de contas, nenhum de nós está acostumado com esse tipo de visão. Porém, o fato do homem se ver dividido ao meio, tento de um lado metade de sua face, de outro apenas a escuridão, foi o suficiente para que, em menos de minuto, fosse procurar por sua outra parte, perdida em tempos verbais dos quais não sabia mais ao certo como conjugá-los.

Por fim, descobrira que não só as coisas são cortadas ao meio. De um lado fica aquilo que você conhece, ou seja, o que se pode tocar e ver. Do outro, apenas o vácuo, o vazio e o nada. Nesse espaço negro profundo, ficam guardados os sentimentos mais ocultos, dos quais nem sempre podemos confiar. Por isso, olhe-se no espelho essa noite, e veja o que ele tem para lhe mostrar. Vá atrás de sua outra metade, e tente conhecê-la ao certo, antes que alguém te veja ao meio.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Lembranças Natalinas...

Ainda guardo comigo, lembranças de Natais que se eternizaram em minha vida. Confesso que os últimos não foram tão adoráveis, ao ponto de ficarem registrados para sempre em minha memória. Mas esse que agora se vai, e já leva consigo doces lembranças, com certeza ficará.

O mais surpreendente desse Natal, foi que o essencial me bastou. A festa estava bonita, claro. A mesa farta e a sala repleta de presentes, foi o suficiente para estampar em todos nós um sorriso fraterno. As crianças, que já não acreditam mais em Papai Noel, desembrulhavam presentes como se estivem desenterrando um antigo tesouro. E nós, adultos, o que mais queríamos, era na verdade saborear o ponche que mamãe sempre fizera somente nas noites de Natal.

Ainda não sei ao certo, se futuramente darei festas para esconder a solidão que habita dentro de mim. Todavia, enquanto não me tornar anfitrião de nenhuma delas, virarei rosa, pássaro, ou um cavalo selvagem em um campo que se estende ao eterno, construindo assim o meu presente. Porém, sei que todos ao meu redor, saberiam desfrutar de uma boa festa sem a minha presença, inclusive eu mesmo. Mas saber, que às vezes não sabemos que para alguém somos alguém, é o suficiente para me confortar em certos momentos.

Tem horas que somente existir basta, e o coexistir passa a ser algo supérfluo. Gozado que a gente descobre isso sempre por acaso, talvez de propósito mesmo...

Lá fora as nuvens se desfazem nesse fim de tarde de Natal, dando forma a noite que se sucede. O Sabiá canta no telhado, celebrando algo além do meu entendimento. Já o cheiro das mangas caídas no quintal, formam um delicioso perfume, que todos os fins de tardes deveriam ter. Do mais, como é gostoso saber que a estrela que se equilibra na árvore de Natal, manda beijos secretos pra mim, dos quais, de alguma forma, tento retribuir.