domingo, 18 de novembro de 2007

Estalinhos

Como ela chegou até lá, na Lua, ninguém sabe explicar, talvez por ser inexplicável...

Muitos dizem que ela fora filha de São Jorge. Outros, mais religiosos, acreditaram que seria a besta do Apocalipse; esses se enganaram como sempre se enganam. Os mais místicos, atribuem sua existência aos astros, números e incensos. Mas na verdade, poucos atrevem a negá-la, ignorando a sua existência.

Apelidos surgiram, como sempre surgem: sininho, fadinha e diabinha são só alguns deles. Os nomes também vieram: Rebeca, Daniela e Marcela. Mas isso é o que pouco importa.

Era loira, bem baixinha, como criança mesmo. Seus cabelos encaracolados eram tão finos quanto algodão-doce. Sua pele, clara e delicada, dava a impressão de ser algo celestial, como a pele dos anjos. Seus olhos, sua boca e nariz, tudo se encaixava em perfeita harmonia. Como era possível teme-la? Somente o homem em seu mais elevado grau de estupidez, poderia chegar a esse ponto. E chegou.

Alegre e divertida, como quase toda criança em sua normalidade é, gostava de fazer as suas traquinagens. Mas como não tinha amigos para brincar de ciranda, pois morava na Lua, resolveu divertir-se conosco, terráqueos, que víamos maldade em sua brincadeira favorita.

Essa tal brincadeira, em certos momentos, foi considerada por governos poderosos como sendo um risco para a existência da humanidade, ao Planeta Terra; como se de fato eles, governantes, se importassem com isso. Missões foram planejadas. Expedições realizadas. E até mesmo uma Corte Suprema foi instaurada para julgá-la. Tolice do homem, que sempre viu risco naquilo que não consegue compreender através das Ciências Exatas.

Seu passa-tempo, e talvez único, se dava em uma brincadeira tão infantil, que todos nós, quando crianças, fizemos em algum momento: brincar com estalinhos, ou se preferir, traques... Aqueles mesmo, que se tornaram indispensáveis em qualquer festa Junina.

Só que os seus não eram carregados de um mistura pirotécnica de pólvora. Eram estalinhos, tão inofensivos a integridade física de uma pessoa, quanto aqueles que estourávamos quando criança. Porém, eram compostos individualmente de uma única mistura mágica: os amarelos eram os que dispensavam alegria quando estralavam; os azuis, esperança; os brancos a paz; rosas o amor; e mais uma infinidade de cores, que traziam em seu átomo sentimentos essenciais para uma humanidade.

Só que, mesmo eles sendo carregados por uma carga belíssima, despertaram nos homens do poder a raiva e a ira. E isso foi o suficiente para que fizessem o homem chegar até a Lua, em uma missão tripulada, composta por cosmonautas de várias nações. Seus objetivos de principio era trazer a inocente menina até a Terra, para ser julgada por crime contra a humanidade. Mas se ela esboça-se alguma resistência, a opção de matá-la ali mesmo, na Lua, poderia se concretizar.

Mas nada do planejado e esperado se deu nas vias de fato. Como era uma menina linda e pura, concebida por uma Divindade Suprema, achou melhor, diante de tal afronta, se jogar na imensidão do Universo, já que o tinha em seu céu da boca, do que ser capturada e aprisionada por homens maus, que não sentiram o efeito de seus estalinhos, devido à petrificação de seus corações.

No entanto, esses homens nunca conseguiram retornar para Terra, foram todos tragados pelo buraco negro do Universo. E não puderam descrever aos seus superiores, o quanto era belo o rosto daquela inofensiva menina, que agora deve estar brincando em outro satélite.

Auto-Flagelo

Em minha face plácida, habitam-se submerso aos olhares, lábios ansiosos e inquietos. Nariz grande e carente, que indaga, exprime e depois absorve para dentro do meu ser, tudo aquilo que procura, e encontra...

O olhar é vasto, que acha até onde não vê.

A calma, às vezes se rebela, deixando no ar fragmentos de mistério. O passo, largo, caminha sem saber pra onde. E eu vou atrás, sem me perder no compasso, refaço...

Não, desfaço!

Há resíduos de medo, de negro, e de rosa. De demora sutil. De abraço sutil... Há diários, cartas escondidas, rascunhos, em baús, no jardim, em notas de piano, em meu quarto...

Tudo esparso em cômodos, arredores, que velam por minha intimidade.

Os meus dias ensolarados ficam cada vez mais úmidos. O ar me falta nas subidas, e se torna rarefeito no raso, no lago, e no profundo. Às vezes insurjo de minhas próprias sombras, às vezes das suas. A maresia corrói-me os ossos, fazendo deles farelos, levados pela maré.

Em meio às mudanças, em meio aos sentidos e o sentido, entre os olhos e a visão, a orelha e a audição, sinto o sabor da sede. A vida parece querer brincar de pique-esconde, só que eu não sei contar até dez.

O girar da fechadura me causa angustia, o rangido da porta também!

Minhas estrelas, minha Lua particular, meus ossos e olhos... Parecem todos se curvarem em cima de páginas amarradas, cartas rasgadas, folhas amassadas, condenas pelo silêncio da noite, que me atrai e depois me devora.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Luares e Lugares


Embora ainda fosse dia, e o Sol desse as caras lá fora, seus raios não conseguiam penetrar com a mesma intensidade as frestas da janela do meu quarto...

O vento começara a soprar, suave, sem pressa, como sempre fora nas tardes pacíficas de Outono. Trazia consigo ares de poesia, vindos de outros vales, que ao se encontrarem com as fendas do telhado, produziam sons de assobios que atravessavam o forro de madeira velha, atingindo em cheio os meus ouvidos, carentes por uma melodia que desse ritmo a noite que se seguia.

O Bem-te-vi já dera seu canto de despedida, mais uma vez. A Lua, sempre misteriosa e atraente, já começara a brilhar com a chegada da escuridão, que dessa vez, prometia ser eterna. Pelo menos até o próximo amanhecer.

Tudo se perdia e se fundia naquele exato momento em mim... E o meu pensamento era somente em ti.

Desejos e sensações prazerosas misturavam-se junto ao meu corpo, fazendo-me sentir o calor exato da paixão, ardente naquele momento como nunca antes. Meus pecados pediam por perdão. Minhas vontades imploravam por ação. Mas a alma que ali se prendia, sabia que seria somente através da Lua a minha única saída.

O abrir da janela fez com que pequenas flores amarelas de Ipê, trazidas pelo vento, adentrassem no quarto se enroscando na cortina branca de seda, que do bandô atingia o chão de cimento queimado. Por instantes o silêncio se soltava, e a força da minha respiração podia ser ouvida pelas estrelas que invadiam minha morada.

A noite sugeria beijos entre bocas de salivas proibidas pelas circunstâncias do acaso...

Quem sabe em outros tempos, os dias se encurtem mais, fazendo as noites se tornarem tão longas quanto à vida. E que nós possamos, por intermédio da nossa Lua particular, se encontrar eternamente, tendo os astros como únicas testemunhas do nosso romance.

Mas isso já sugere uma nova história...