domingo, 22 de julho de 2007

Entre Sacadas e Guias


Há tempos via-me acordado durante a madrugada. Nas noites longas de inverno, enquanto esperava pelo sono, elaborava planos mirabolantes em minha mente arquitetônica, embora soubesse que nunca os colocariam em prática. Às vezes acendia um cigarro, e da sacada do meu apartamento, observava suas cinzas caírem e se perderem no ar, revelando assim minhas angustias.
Foi através, dessas idas e vindas noturnas até ao lado de fora, que pude perceber a fotossíntese que tomava conta de todos naquele instante, que de alguma forma me envolviam. Morcegos com suas manobras radicais pareciam dispostos a ajudar, pena que não conseguia entendê-los. Cantadas de pneus dos carros que arrancavam no semáforo, pareciam gritos de desesperos, daqueles que em noites frias, costumam buscar por calor em camas alheias. O gemido diário e habitual de um casal, que todas as noites transavam na sacada do andar acima, fazia-me ter a certeza que entre gritos e choros de desespero, ainda existiam gozos no bairro.
Em noites mais amenas, resolvia descer daquele pedestal colossal de ferro e concreto, que há mais de 40 anos, sustentava famílias e vagantes solitários. Ia até a rua e sentava na guia, passando a observar sozinho tudo àquilo que me envolvia. Folhas secas que caiam no asfalto. Galhos que ficavam vazios a espera da próxima estação. Cânticos proferidos por bêbados, tentando fugir da realidade que os assombravam. Reparava em tudo, analisando os mínimos detalhes. Até que o sono vinha e me fazia retornar ao conforto da minha cama cheia de ilusões.Ficava ali, cada vez mais encolhido, na espera inconsciente de um novo dia. E que ele, da mesma forma que viesse me abordar, pudesse devolver-me mais uma noite de sono. Aonde eu viria fechar os olhos e novamente dormir. Mas a certeza que amanhã não seria um novo dia, era o suficiente para minar as minhas esperanças e compreender que esse não era o meu lugar.

2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Grazzi Yatña disse...

O melhor lugar do mundo é aí, entre sua tragada e o seu nariz perfumado.